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Bravura Indômita

fevereiro 23, 2011

Ainda melhor

Nas mãos dos irmãos Coen, roteiro ganha nova força com história mais bem contada, excelentes atuações e a esplêndida fotografia de Roger Deakin

NOTA: 10

Para quem assistiu ao Bravura Indômita de 1969, é difícil não enxergar este remake de Joel e Ethan Coen como mais uma homenagem ao gênero western e ao próprio John Wayne – que venceu o Oscar de “Melhor Ator” daquele ano. A comparação é inevitável. Pois por mais aclamado que o longa tenha sido, contudo, a ingênua história de Charles Portis (transformado em roteiro por Marguerite Roberts) foi modificada. E, felizmente, para melhor!

Os irmãos Coen se debruçaram em cima da novela homônima de Portis e trouxeram à tela o roteiro que provavelmente eles gostariam de ter visto na época. Para não me ater somente às diferenças entre os dois, basta dizer que esta refilmagem é muito mais consistente. A começar pelas próprias cenas introdutórias, que transformam a pavorosa sequência do assassinato de Frank Ross pelas mãos do bandido Tom Chaney em uma bem resumida narração (feita pela própria Mattie Ross), envolvida pela fantástica fotografia do corpo do pai em uma leve nevasca – e assim passamos logo aos porquês da menina querer vingança.

Mostrando desde o início que negociação é seu forte (como na engraçada cena com o dono dos cavalos), a determinada garota de 14 anos contrata o bonachão xerife e caçador de recompensas, Reuben Rooster Cogburn. Os dois deveriam partir juntos ao ermo em busca de Chaney, para trazê-lo vivo ao vilarejo e enforcá-lo – como era então o costume. O texano La Boeuf, que também estava caçando Chaney, oferece ajuda e, apesar dos desentendimentos entre os três, partem todos em busca do assassino.

Com o humor negro característico (desta vez contra os índios, em pequenos mas hilários momentos), os Coen tecem com firmeza a relação de carinho entre Mattie e os dois homens, e as desavenças de ambos – que faziam La Boeuf constantemente abandonar o grupo. Mais bem contextualizado, a história é conduzida através de detalhes que, como sempre, fazem dos filmes dos diretores grandes produções. A licença poética permitiu que mudassem alguns diálogos de lugar e introduzissem novas passagens, para amarrar o roteiro e tornar os personagens mais complexos e multidimensionais.

Além disso, é inegável que Jeff Bridges tenha encarnado o beberrão Cogburn com carisma, prismando o justiceiro em sua própria personalidade abrutalhada e no personagem criado por Wayne. As novas cenas e diálogos permitiram, também, que Bridges demonstrasse o caráter tagarela de Cogburn com mais facilidade – especialmente quando ele conta sobre sua família. Matt Damon também está confortável no papel do ranger La Bouef, simulando até mesmo uma convincente língua presa após um acidente envolvendo a gangue de Chaney.

A própria Hailee Steinfeld aparece segura no papel de Mattie: a firmeza no olhar, um leve sotaque, as respostas rápidas e uma graciosidade insubsituível por usar as roupas do pai, que deixavam-na propositalmente com ares de menina madura – e que, de fato, Mattie provou ser. É ela, afinal, a protagonista que ilumina a produção com sua intrepidez e “verdadeira coragem” (ou, em inglês, “true grit”). O elenco dos ladrões também é admirável, já que Josh Brolin quebra os conceitos que imaginamos para Chaney, interpretando um assassino frio e assustador, mas que em sua essência é um homem infantilizado, pondo à prova o temor que todos pareciam sentir por ele. Até mesmo Barry Pepper rouba a cena em suas pequenas aparições.

Mais nervoso e sangrento, o longa não deixa de lado os elementos cômicos introduzidos com a maestria típica dos irmãos. Sem contar na magnífica (como sempre) fotografia de Roger Deakin, parceiro de longa data dos diretores. Com closes de baixo para cima e espetaculares paisagens – são tantas que é difícil enumerar, mas para ser breve as cenas noturnas (da briga fora da cabana e da cavalgada ao luar, sob o céu estrelado) e a do incrível embate entre Cogburn e os bandidos -, os cineastas se mostram tão eficientes que podemos apreciar até mesmo a reprodução de alguns costumes da época (como os vendedores de cadáveres na estrada) e novos personagens, como o curioso homem com pele de urso.

O design de som também é extremamente eficiente ao colocar (novamente) detalhes que tornam este Bravura Indômita mais verossímil e profundo. Ao invés de dizer o nome do personagem ou dar um close em seu rosto, por exemplo, os cineastas preferem que as esporas de La Boeuf ressoem todas as vezes que seus sapatos são filmados – e isso é de grande valia quando, da cena fora da cabana citada acima, Mattie e Cogburn reconhecem o companheiro pelo barulho das esporas. Até mesmo a nova trilha sonora de Carter Burwell encaixa perfeitamente com a narrativa.

Arrematando com um desfecho menos ingênuo e tolo (a morte de La Boeuf é uma das coisas mais constragedoras do longa original), Joel e Ethan transformam Cogburn em herói, a partir do momento em que ele carrega Mattie em seus braços, fazendo o impossível para salvá-la. Um final emocionante e muito mais compreensível, tanto para o marechal quanto para a própria menina – porque, afinal, quem leva picada de cobra não se salva com apenas uma talinha no braço.

A história é a mesma, mas nas mãos dos Coen torna-se muito melhor.

Titulo Original: True Grit
Direção: Joel e Ethan Coen
Gênero: Faroeste
Ano de Lançamento (EUA): 2010
Roteiro: Joel e Ethan Coen, baseado em livro de Charles Portis
Trilha sonora: Carter Burwell
Fotografia: Roger Deakins
Tempo de Duração: 110 minutos
Com: Jeff Bridges (Rooster Cogburn), Hailee Steinfeld (Mattie Ross), Matt Damon (La Boeuf), Josh Brolin (Tom Chaney), Barry Pepper (Ned “Sortudo” Pepper), Doomhall Gleeson (Moon), Elizabeth Marvel (Mattie Ross adulta), Paul Rae (Emmett Quincy), Nicholas Sadler (Sullivan), Bruce Green (Harold Parmalee), Dakin Matthews (Coronel Stonehill), Brian Brown (Coke Hays), Philip Knobloch (Frank Ross), Mike Watson (Farrel Parmalee), Ed Corbin (homem com pele de urso).

9 comentários

  1. Já queria muito ver, com sua análise então… QUERO VER, QUERO VER, QUERO VER, QUERO VER!!!


  2. Se eu não tivesse assistido o original com John Wayne, acho que teria gostado ainda mais desse dos irmãos Coen. Realmente eles fizeram um excelente trabalho nessa refilmagem. O original é meio bobinho, né?


  3. Eu achei o filme muito bem feito, de fato dá pra notar maior amadurecimento dos Coen.
    O problema do filme pra mim está basicamente na história original, aquela história de cair no buraco, encontrar cobras.. haha achei um pouco forçado… Mas enfim essa é uma característica presente em todo bom e velho faroeste, não é?
    De qualquer forma esta refilmagem superou o original.
    Adorei sua crítica, você escreve muito bem!


  4. Os Coen enganaram todos os críticos. lalalalala


  5. Bom, os Coen deram uma entrevista dizendo que seu filme não era um western e que eles não conheciam o filme de 1969.

    Mas o filme deles é praticamente uma cópia do filme de 1969, com exceção da terceira parte do filme e de uma ou outra cena.

    Na cena que Rooster briga com o bando de Lucky Ned Pepper, os Coen se utilizaram dos mesmos enquadramentos do filme original, inclusive usando esses enquadramentos na mesma ordem (até a câmera subjetiva do Rooster está lá).

    Se esse filme não é um western, é o que então? E outra, se eles não conhecem o filme de 1969, como então eles copiaram várias coisas do filme?

    Não vi nenhum crítico (exceto um português, um professor meu e eu), questionando tal coisa. Achei um absurdo sem tamanho.

    Pode ser uma piada dos Coen? Pode, eles adoram fazer isso.

    Mas o mais certo é que não se sabe e eles caíram muito no meu conceito.

    Eu adoro westerns (inclusive minha monografia de graduação em cinema é sobre o John Ford), e adoro o filme de 1969. Não entendo porque da noite para o dia, os críticos se viraram contra o filme original, dizendo um monte de bobagens, inclusive sobre o John Wayne, que está sim em uma ótima atuação, uma atuação que é um amálgama de todos os seus papéis.

    Me desculpem, respeito a opinião de todos, mas há algumas coisas que não gosto de deixar passar. Espero que respeitem minha opinião também.

    Abraços a todos.


    • Jefferson, eu entendo seu ponto, só não concordo com ele.

      Duvido muito que os Coen não conhecessem o filme original de 69. Pode ser que eles não tenham feito um remake, mas outra adaptação do livro de Portis. Eu mesma comparei os dois filmes porque para mim é inevitável. Também sou fã de westerns, e os filmes do Leone estão no meu top 10 de filmes preferidos.

      Não disse em momento algum que a atuação de Wayne foi ruim – pelo contrário, eu reconheço que foi seu melhor momento. Só acho que a versão de 2010 é muito mais consistente e coerente, como disse na crítica.

      É um bom filme, e isso basta para ser elogiado. Se a intenção dos Coen era ou não ser um remake, bem, já não me importa muito.

      Obrigada pela visita e pela discussão! Volte sempre! 🙂

      Beijos


  6. Desculpe, minha cara Maira, se dei a entender que você falou alguma coisa que não disse. Eu fiz uma generalização barata dizendo que todos os críticos disseram alguma coisa, sendo que não foram todos, mas a maioria. Realmente você não disse que a atuação de John Wayne é ruim. Não acho “Bravura indômita” a melhor atuação dele e também, acho que ele tem outras melhores, como “Rastros de ódio”, “Onde começa o inferno”, “Rio vermelho”, “No tempo das diligências”, “Depois do vendaval”, entre outras, mas é o John Wayne, é meio difícil questionar um Oscar dado à maior lenda do cinema.

    De qualquer forma, os Coen, infelizmente, disseram que não conheciam o filme de 1969 (um professor meu tem essa entrevista deles). Bom, acho que foi uma bricadeira, tal como eles fizeram em “Fargo”, dizendo que o filme era baseado em fatos reais.

    Adoro os Coen, mas eles caíram no meu conceito, não por causa das questões que expus, mas por outras coisas que me incomodaram bastante em seu filme, como as atuações do Jeff Bridges e do Josh Brolin, a trilha sonora, etc.

    Respeito sua opinião e, aliás, você escreve muito bem e seus argumentos são ótimos. Parabéns pelo blog e desculpe por qualquer coisa.

    Visite meu blog assim que puder e deixe um comentário por lá: http://ateladoaventurar.blogspot.com/

    Abraço.


  7. Imagine, Jefferson. Estamos aqui pra isso mesmo: discussões saudáveis.

    Acho que John Wayne realmente não se discute, e é bem possível (mesmo) que os Coen tenham falado de brincadeira. Eles são cheios disso.

    Agora, você não gostar das atuações e da trilha sonora, bem, é outro papo. Aí é uma questão de opinião, mesmo =]

    Obrigada pelos elogios e pela visita!

    Beijos



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