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O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus

setembro 14, 2010
Resquícios pythonianos

Em seu útlimo longa, Terry Gilliam usa e abusa dos visuais criados com o Monty Python, mas cria um roteiro incompleto e indecifrável

NOTA: 7

Sublime. Foi essa a última palavra que usei para descrever O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus, último trabalho do diretor Terry Gilliam e também o último de Heath Ledger – no meio das gravações, o ator de 28 anos foi encontrado morto em seu apartamento, uma morte trágica para um talento indubitável. Não exatamente porque o filme seja tão bom que eu não tenha palavras para descrevê-lo. Muito pelo contrário. Nunca um filme rendeu tanta discussão após a projeção, por excesso de informação e falhas estrondosas no roteiro – que, devido à morte do protagonista, ficou indecifrável de dizer se as mudanças tornaram-se intencionais ou se Gilliam havia planejado tudo aquilo desde o começo.

Bem, antes de mais nada, à história: Dr. Parnassus é um homem excêntrico, que mantém um teatro de rua nos moldes vitorianos nos dias modernos – e talvez justamente por isso a trupe mambembe necessite constantemente de dinheiro. Ele vive com a filha Valentina, o menino Anton e o anão Percy (o impagável Mini-Me de Austin Powers). Por meio de pactos com o Diabo, Parnassus tem o poder de transportar para dentro de sua mente aqueles que cruzarem um espelho, situado no palco do teatro – que é também um carro móvel e a casa de todos eles.

Assim, com poderes sobrenaturais concedidos através de acordos mal-feitos, Parnassus passa milênios correndo atrás de suas apostas quase sempre perdidas. A última delas, contudo, traria consequências desastrosas ao velho – ele deveria entregar a filha quando esta completasse 16 anos para continuar levando sua vida imortal. Com a aproximação do dia e torturado pela dúvida, Parnassus não informa à garota sobre seu terrível destino.

Buscando sobrevivência nas ruas de Londres, eles encontram o corpo de um rapaz pendurado de uma ponte. Ele é George/Tony, um homem cheio de conflitos internos que tenta esconder de si mesmo suas múltiplas facetas. Confesso que ver a cena de Ledger pendurado pelo pescoço quando sabemos de seu trágico fim é de dar nó na garganta. E isso, por si só, já deixa o filme tocante logo em seus primeiros minutos.

O resto da narrativa, entretanto, mostra-se confuso e desestruturado do começo ao fim. O Mundo Imaginário de Dr. Parnassus gira em torno do personagem de Tony e as facetas que vamos descobrindo ao longo do caminho. O problema acredito que comece por aí. Se Ledger pudesse ter terminado a película, duvido muito que as coisas teriam sido feitas da maneira como foram. Primeiro, pois a ideia inicial parece ter sido a mente de Parnassus e sua imaginação infindável.

Com a morte do ator, o filme todo se tornou uma grande homenagem a ele – o que acho digno e indiscutível. Isso, entretanto, trouxe problemas de edição que o tornaram incompreensível. Assim, a história passa com uma velocidade que não conseguimos acompanhar e, apesar do visual interessante e grandioso, não nos apegamos a nenhum daqueles personagens.

Como que adivinhando seu futuro funesto, Ledger apresenta Tony com melancolia e um brilho nos olhos (efeitos de iluminação ou sensibilidade inata?). Sua atuação é surpreendente, como sempre. A química entre seu personagem e o de Lily Colle é orgânica e verdadeira, e tudo que acontece da metade para o final só embaralha ainda mais a cabeça dos espectadores – que, acompanhando a trajetória de Tony, esperam que ele tenha um final digno e não o que acontece de fato. Pareceu-me, ainda, que Ledger guardava um pouco do sotaque do Coringa de Batman: Cavaleiro das Trevas – não a voz anasalada, mas a de alguém que esconde dúvidas e aflições.

O mundo fantástico, aliás, é uma grande mistura de tudo que Gilliam viveu e aprendeu ao lado do Monty Python – extinto e maravilhoso grupo de comédia britânica. As referências de sua imaginação remetem às sketches animadas que entrecortam os longas do grupo (A Vida de Brian e Em Busca do Cálice Sagrado, dois clássicos absolutos, aliás). É impossível dissociar a imagem do mundo imaginado às cabeças flutuantes que os conhecedores dos Python estão acostumados. Até mesmo a própria premissa de Parnassus (de recolher 12 pessoas que o seguissem a fim de ganhar mais uma aposta) remete ao espalhafatoso Brian e sua emenda de ser o messias. É interessante ver as ambientações que ele criou e de seu próprio brilhantismo.

Porém, a fotografia do mundo real é escura e sombria, mas em nenhum momento sentimos a verdadeira tensão que talvez o diretor quisesse ter passado. Sua experiência com comédias talvez tenha obstruído a construção do roteiro. Ou, mais uma vez, nos deparamos com uma desestruturação causada pela morte do protagonista. Apenas suposições.

A solução que Gilliam encontrou para substituir o ator nas cenas do mundo imaginário foi muito inteligente – a equipe de montagem merece elogios, foi um belo trabalho. Todas as vezes que Tony entrava no espelho ele era interpretado por um ator diferente – Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell, na sequência, cada qual representando uma faceta de sua personalidade dúbia.

Apesar do esforço dos colegas de tentarem preservar a alma que Ledger havia criado para Tony, fica difícil acompanhar suas verdadeiras intenções – e, claro, além de sentirmos mais uma vez um nó na garganta todas as vezes que Ledger saía de cena. Depois de terminado o filme, perguntei-me qual era a real faceta de Tony: como ele se via dentro do espelho. Era ele o Tony de Colin Ferrell? Impossível dizer. Assim, novamente, ficamos sem entender as motivações do personagem.

Com roteiro sem pé nem cabeça, tentamos descobrir qual o sentido naquilo tudo que acabamos de ver. E qual nossa surpresa ao ficarmos ainda mais surpresos quando não conseguimos achar sentido para nada! Sim, é bem feito. Sim, os atores estão bem em seus papéis. Mas não, não há uma solução para aquilo que Gilliam se propõe a contar. Sua história fica suspensa no ar. Como bem disseram os créditos finais, O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus é um “filme de Heath Ledger e amigos”, evidenciando que aquela foi só uma derradeira homenagem ao ator.

A premissa era boa, mas me parece que o diretor não soube aproveitar o mote da “imaginação sem limites” – e agora me pergunto, como seria este filme nas mãos de alguém como Christopher Nolan? Creio também que se Gilliam não tivesse enfrentado tantas dificuldades, a coisa teria sido bem diferente. Certamente, não esperava que fosse o filme fosse tão confuso e que me demandaria tantas reflexões – involuntárias com certeza, e isso é um problema. Uma coisa é certa: juntar este elenco em um único filme é a realização de um sonho. Mesmo sendo uma bagunça.

PS: Agradeço imensamente as participações do Nelson Pacheco, da Gabriela Romeiro e do Rodrigo Ribeiro, que estiverem presentes comigo no cinema e contribuíram para que a discussão do filme saísse da confusão para um esclarecimento maior. Obrigada, meninos!

Titulo Original: The Imaginarium of Doctor Parnassus
Direção: Terry Gilliam
Gênero: Fantasia e aventura
Ano de Lançamento (Inglaterra): 2009
Roteiro: Terry Gilliam e Charles McKeown
Trilha Sonora: Jeff Danna e Mychael Danna
Fotografia: Nicola Pecorini
Tempo de Duração: 123 minutos
Com: Heath Ledger (George/Tony), Johnny Depp, Jude Law e Collin Farrell (Tony), Christopher Plummer (Dr. Parnassus), Tom Waits (Mr. Nick ou o diabo), Verne Troyer (Percy), Andew Garfield (Anton) e Lily Cole (Valentina).